Oswaldo, Lucy e Poe
Letícia é menina nova e triste. Na escola de Letícia não se aplicam os métodos de Jean Piaget para educação. Piaget era suiço e desenvolvera muitas teorias psicopedagogas ao longo da vida. Na escola onde não há Piaget há coleguinhas. Os coleguinhas costumam rir de Letícia. Ela fica no cantinho da sala, jururu. A professora é muito enérgica e possivelmente nunca ouviu falar de Piaget. Em frente à escola de Letícia existe uma praça. Na praça, bem ao centro, existe uma estátua. A estátua é de Immanuel Kant. Kant era alemão e desenvolvera uma filosofia pautada em teorias e reflexões transcendentais. Letícia era muito novinha para saber acerca de tudo o que kant desenvolvera ao longo da vida. A menina gostava de ficar perto da estátua que ela chamava sempre de Oswaldo. Naquele dia ela achara um livro de Edgard Alan Poe jogado no gramadinho da pracinha. Edgard Alan era norte-americano e escritor de uma vasta gama de contos fantásticos e poesias belíssimas. Ela começara a ler para Oswaldo o livrinho de Sir Alan Poe. Letícia ainda era muito novinha para entender o que Poe escrevia, mas achava tudo aquilo bonito. Não foi possível para Kant ler Poe. A simbiose se fechara com uma pomba que certa vez defecara no ombro esquerdo de Oswaldo. Após o fato, Letícia limpara Oswaldo com um paninho amarelo e no mesmo dia perdoara a pomba, dando-a o nome de Lucy. Desde então as tardes de Letícia eram preenchidas por Oswaldo, Lucy e Poe. Inclusive aquela tarde. À noite, Letícia sonhara com o livro de Poe e também com Oswaldo. No outro dia, durante a aula, Laura, sua coleguinha, estava completamente desprovida de suas longas madeixas. Os outros coleguinhas riram bastante. letícia não. Talvez Laura possuísse algum tipo de doença no couro cabeludo. Entretanto, Letícia era muito novinha e desconhecia todo e qualquer tipo de irritação capilar. Após a aula daquele dia, Letícia correra para encontrar Oswaldo. Na pequena praça, a criança lera a tarde inteira para estátua e pomba. Pela noitinha, seus sonhos foram invadidos por Poe, por Oswaldo, Lucy não. Não naquela noite. Na manhã seguinte, Artur estava completamente careca. Risos. Talvez ele fosse skinhead agora. Entretanto, Letícia, em sua tenra idade, desconhecia por completo qualquer tipo de ideologia ou prática neo-nazista. Nova tarde revolvida por versos de Poe, pela expressão pétrica de Kant e pela ausência de Lucy. Letícia já estava com saudades da pombinha. Em sua cama, seu sono fora quase completamente preenchido pela ave e somente no finalzinho por Poe. E também Oswaldo. Cedinho na escola nova calvície, agora de Ramon. Seria Ramon hare krishna? Letícia, pequenina, não conhecia os ritos e práticas dessa religião simpática. Naquela hora matutina, Lucy voltara. Letícia rira bastante como há muito tempo não fazia. À noitinha, momentos oníricos completos: Oswaldo, Lucy e Poe. A medida que as folhas do outono caíam, os fios de cabelo também tinham semelhante destino. Marcele, Pablo, Júlia, Roberto. A sala ficava vazia e a vida de Letícia mais cheia. Já quase no inverno, a professora chegara com um lenço na cabeça, sem um fio sequer. A sala vazia. Silêncio. Letícia ria. Ria muito. Segurava em suas mãozinhas frágeis o livro de Poe. Desejava logo que o horário da aula solitária passasse para que ela pudesse rever Oswaldo e Lucy. Pronto. Correra como nunca pelo gramadinho. Sorria como nunca sorrira. Mas de longe, Letícia percebera a ausência. Não mais Oswaldo, somente pedras. Letícia vira que homens destruíam a pracinha. Barulho de britadeira. Lentamente, Letícia se sentara próxima às pedrinhas que restaram de Oswaldo. A cada página de Poe uma lágrima recolhida. Agora silêncio. Letícia era novinha, mas já aprendera desde cedo a solidão.
2 Comments:
Excelente, Leo! Parabéns! Adorei as repetições.
Lindo... muito mesmo.
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