Relógio de plástico
Sempre usei o mesmo relógio de pulso, desde a infância. Pequeno, leve, de plástico, preto e desses que pode ser encontrado em qualquer camelô. Agora ganhei um novo. Vidro, ponteiros e também digital, pulseira de couro, mais caro. Ultimamente tenho tentado usar os dois de uma forma igual. Às vezes é difícil abandonar certas coisas para se iniciar outras. É complicado olhar para trás e ver que muita coisa podia ser diferente e, ao mesmo tempo, vislumbrar o futuro pode trazer um friozinho na barriga e um medo de voltar a errar. Eles dizem que todo ariano gosta de se escancarar, não pede licença, invade, se mostra. Talvez tenha herdado traços cancerianos do meu pai. Muitas vezes se esconder é, paradoxalmente, a atitude menos covarde de encarar o mundo de frente. Nunca gostei muito de acordar cedo, mas sempre observei o comportamento das pessoas no período da manhã. Confesso que às vezes me soa irritante um bom-humor matinal. Parece-me um tanto quanto fingimento aquele riso forçado do início do dia, como se fosse necessário rir para se começar bem. As pessoas que mais conversam pela manhã dentro de um ônibus geralmente são as que se encontram em maior desespero. Falam numa tentativa fugaz de esquecer. Falam porque tiveram de se calar durante toda a intermitente noite. Somente as crianças são realmente autênticas. Essas não têm o porquê de fingir. Riem quando querem, choram quando querem e fazem quase tudo que lhes vem a cabeça. Na época do meu velho relógio de plástico também era assim. A vida é mais fácil na infância e o tempo tende a corroer nossos melhores anos. Talvez tudo isso seja uma amargura passageira. Mas acho que não. Penso que isso deva ser muito mais uma nostalgia que a maioria das pessoas tem de vez em quando. As preocupações com o futuro nos deixam mais saudosos. Talvez eu deva me preocupar um pouco menos com o futuro e precise usar um pouco mais aquele meu bom e velho relógio de plástico.
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