Televisão letárgica
Em um sol escaldante, caminhei sozinho pelo Alabama durante uma semana. As bolhas consumiam meus pés. Escutava Neil Young em um velho aparelho portátil de rádio e toca fitas que os norte-americanos denominam "walk-man". Sedento e faminto, consegui apenas um pacotinho de batatas Pringles em Montgomery. Entretanto o sal contido no maldito alimento ressecou e feriu meus lábios e causou-me uma sede aliviada apenas com águas oriundas do processo de purificação do Rio Tâmisa. Cansado e arrebentado, deitei-me em uma estrada quase no fim do estado ianque. Maltrapilho e ainda jogado a posição de enfermo, avistei de longe uma poltrona em frente a uma televisão Philco daquelas dos anos 80. Seria tudo isso reações de potássio e cálcio que estavam impulsionando descontroladamente meu cérebro naquilo que os cientistas e acadêmicos de Princeton e por quê não da Unicamp chamam de miragem? Ou seria Deus ou Alá, ou até mesmo Buda querendo dizer: Viu o que eu posso fazer? Realmente não sabia a resposta. Então, resolvi levantar-me antes que o solo aquecido me provocasse queimaduras de segundo e terceiro graus. Corri afobadamente na veemência de descobrir toda a questão. Tudo urgia naquela efêmera hora de uma tarde de agosto. Esse mês sempre me trouxera arrepios, pois cabalisticamente ele refletia todos os meus temores em relação a dogmas estabelecidos por sociedades secretas datadas da Idade Média ou das Trevas (assim preferem os magos existentes na Romênia). Mas voltemos à estória, pois com mais alguns futuros devaneios e eu chego em Kafka ou Borges. Postado de frente à poltrona, notei cápsulas de insulina jogadas na mesma, algumas seringas, bem como penicilina e uma gaiola contendo um casal de pintassilgos. Naquele flash de tempo, o que me causou estranhamento foi o fato de pintassilgos não existirem na América do Norte e muito menos na península escandinávia. Em um giro de 180 graus no sentido anti-horário (parecia John Travolta em seus velhos tempos), fiquei de frente ao aparelho televisivo. As imagens me chocavam uma por uma. A exibição no master consistia na metade exata do filme "De volta para o futuro II". Sentia-me extasiado e anestesiado. Nem lembrava-me mais da sede que já fazia com que a mesoderme da laringe ficasse em estado lastimável. Foi como se litros e litros de grapete descessem pela garganta e chegassem a Alça de Henle, localizada nos nefrídeos que por sua vez constituem o rim. O colorido da tela findou-se. De repente, percebi que o Alabama já não mais fazia parte dos Estados Unidos da América e quiçá de todo continente outrora descoberto e em seguida agasalhado por Colombo e sua trupe (pena que na época o frozen não existia, seria a febre entre os marujos e o sabor limão ainda resolveria o problema do escorbuto). Agora era o tudo e o nada, a temperatura mudava de segundo em segundo; foi quando olhei para baixo e percebi que não possuía mais meu pé esquerdo. Até hoje procuro por ele em todos os cantos do planeta, inclusive na Albânia.
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