Wednesday, December 13, 2006

Televisão letárgica

Em um sol escaldante, caminhei sozinho pelo Alabama durante uma semana. As bolhas consumiam meus pés. Escutava Neil Young em um velho aparelho portátil de rádio e toca fitas que os norte-americanos denominam "walk-man". Sedento e faminto, consegui apenas um pacotinho de batatas Pringles em Montgomery. Entretanto o sal contido no maldito alimento ressecou e feriu meus lábios e causou-me uma sede aliviada apenas com águas oriundas do processo de purificação do Rio Tâmisa. Cansado e arrebentado, deitei-me em uma estrada quase no fim do estado ianque. Maltrapilho e ainda jogado a posição de enfermo, avistei de longe uma poltrona em frente a uma televisão Philco daquelas dos anos 80. Seria tudo isso reações de potássio e cálcio que estavam impulsionando descontroladamente meu cérebro naquilo que os cientistas e acadêmicos de Princeton e por quê não da Unicamp chamam de miragem? Ou seria Deus ou Alá, ou até mesmo Buda querendo dizer: Viu o que eu posso fazer? Realmente não sabia a resposta. Então, resolvi levantar-me antes que o solo aquecido me provocasse queimaduras de segundo e terceiro graus. Corri afobadamente na veemência de descobrir toda a questão. Tudo urgia naquela efêmera hora de uma tarde de agosto. Esse mês sempre me trouxera arrepios, pois cabalisticamente ele refletia todos os meus temores em relação a dogmas estabelecidos por sociedades secretas datadas da Idade Média ou das Trevas (assim preferem os magos existentes na Romênia). Mas voltemos à estória, pois com mais alguns futuros devaneios e eu chego em Kafka ou Borges. Postado de frente à poltrona, notei cápsulas de insulina jogadas na mesma, algumas seringas, bem como penicilina e uma gaiola contendo um casal de pintassilgos. Naquele flash de tempo, o que me causou estranhamento foi o fato de pintassilgos não existirem na América do Norte e muito menos na península escandinávia. Em um giro de 180 graus no sentido anti-horário (parecia John Travolta em seus velhos tempos), fiquei de frente ao aparelho televisivo. As imagens me chocavam uma por uma. A exibição no master consistia na metade exata do filme "De volta para o futuro II". Sentia-me extasiado e anestesiado. Nem lembrava-me mais da sede que já fazia com que a mesoderme da laringe ficasse em estado lastimável. Foi como se litros e litros de grapete descessem pela garganta e chegassem a Alça de Henle, localizada nos nefrídeos que por sua vez constituem o rim. O colorido da tela findou-se. De repente, percebi que o Alabama já não mais fazia parte dos Estados Unidos da América e quiçá de todo continente outrora descoberto e em seguida agasalhado por Colombo e sua trupe (pena que na época o frozen não existia, seria a febre entre os marujos e o sabor limão ainda resolveria o problema do escorbuto). Agora era o tudo e o nada, a temperatura mudava de segundo em segundo; foi quando olhei para baixo e percebi que não possuía mais meu pé esquerdo. Até hoje procuro por ele em todos os cantos do planeta, inclusive na Albânia.

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