Wednesday, February 28, 2007

A eterna dúvida

"Pepsi-cola", olhando para o gato, para o peixe. "Pepsi-cola, e se possível, põe chantilly também, pra ver se dá certo, se fica bom, como se tudo fosse resumido a misturas e pseudo-vontades de ir além mar". Isso tudo olhando pela janela, o mar imenso à frente, a contemplação do infinito, a parcimônia dos deuses. Os centavos das pizzas da vida toda comprariam um campinho qualquer, poderia jogar futebol, fazer um gol, ser o artilheiro do
nada.
Toca a campaínha uma, duas, três vezes, um som que adentra o ouvido médio, cruza o martelo e a bigorna. Ah claro, a velha bigorna, treme, traz solavancos burocraticamente filosóficos. Corpo inerte. Ouve-se apenas o ritmo lisonjeiro de um coração que a última coisa que quer ser é lisonjeiro. "Para o inferno lisonjeiro, pro diabo que carregue". Tudo parado.
Parado.
Solto.
Morto.
"A porcaria dessa campaínha não pára de tocar um minuto, puta que pariu!!"
"Olha o respeito, moleque!"
"Respeito o caralho! E abaixa essa porra de televisão!"
Como se o mundo fosse salvo apenas pelo simples fato de um mísero controle remoto em um remoto segundo pudesse exercer tamanha diferença no ritmo da vida. "Isso cansa meus ouvidos, pelo amor de Deus, que droga de campaínha". Inerte. Isso, eu disse INERTE. deu pra entender, malandro?
Silêncio. Taciturno.
Bêbado?
Talvez, mas isso não interessa. O que interessa é saber o que fazer com o dinheiro.
"É grana boa, cara. Money, l'argent, tutu." Disse isso ontem e foi tão boçal ele falando argent, com um sotaque suburbano de quem acha bonito falar uma palavra em francês.
Veio a pizza. Deu uma quantidade cédulas. Troco. Vai até a janela para conferir se o entregador caiu fora. Caiu. 'Pizza horrosa, borracha pura."
Agora fica pensando ai, olhando o mar, paradão, sem saber o que fazer. A grana espalhada na mesa. Até as moedinhas (pode rir se for o seu desejo, até as moedinhas!, francamente)
Os carros circulam pela orla, luzes noturnas, luzes de cinema, como se tudo estivesse a 24 quadros por segundo. "Cala a boca, mané, pensa que isso aqui é cinema". A dúvida persiste se foi um pensamento ou se de fato houve a ofensa verbalizada. Deixa para lá, o sujeito nem se mexe. Lá embaixo a criançada chuta uma bola já carcumida pelos vários rodopios que dera por entre traves e redes. Rolou demais nessa vida. Todo mundo rola, ela rola também. E é nesse exato instante que um garoto franzino, canela seca, pega a bola e dribla dois, acerta a esfera com os três dedos menores do pé esquerdo, parabólica trajetória, o gomo lateral trisca a trave e a pelota de couro adentra a rede. Tudo muito efêmero, mas na cabeça fáustica dele mais parecia slow motion. E apesar de tudo, estático. Extático. Sintático e sintético. Soa meticulosamente a campaínha.
"Que porra, meu Deus" Deus? Isso mesmo, Deus? Até ontem mesmo era ateu. Jurava, por nosso Senhor, que não acreditava em Santidades, Divindades, Clero. Ficava falando em clero sem conhecimento algum. Falava clero porque achava bonito, suntuoso. Suntuoso! A vontade de rir é deveras inevitável.
Enquanto imaginava os gols que nunca fez, a campaínha seguia seu curso enlouquecido. Esguelava! BERRAVA! Dá para imaginar o quanto era isso. Uma manada de búfalos enraivecidos seria mais pacífica do que aquela eloquente campaínha em se tratando de objetivos e convicção.
"Bukowski?!" Outrora o pai gritando e arrancando o livro de sua mão. Fato marcante. E a grana em cima da mesa, putz, parado, contemplativo. Os olhos marejados. Ah, sim, claro, marejados, era só o que faltava. Que patético! Que bonitinho! Os olhinhos cheios de lágrimas. E é claro, a campaínha, sempre vicejante. Se acaba, mas acha que triunfa.
"Maiakovski!" Está aí, Maiakovski pode ler. Querer entender o mundo é o mesmo que desfrutar da permanente dúvida, com a certeza de que, transitória ou não, nada padece. Melhor procurar um canto qualquer.
Os cães perambulam pelas ruas, mendigos da nossa estirpe são corroídos nas esquinas. No passado o pai trouxera Shakespeare, colocou tudo sobre a esvrivaninha de mogno e aquilo foi devorado como os leões destroçam um pobre gnu. Ele poderia ser o gnu naquela janela de frente para o oceano. Mas sempre falta um leão. Estão em falta no mercado. "Procura-se leão faminto, paga-se bem, com carteira assinada", mas ainda não houve respostas, talvez um out-door seja mais funcional.
Toca a contumaz campaínha. Tocam Bach na vizinhança. Traz uma certa benção ao coração. Bach é quase a significação de que Deus talvez exista. E que vai discordar, Nietzsche? O que melhor, acreditar em Deus ou em Nietzsche? Entre um e outro, viro de vez aquele copo refrescante de cicuta. Bebe, Sócrates, bebe! Todos sorvendo o líquido ao som de Ataulpho Alves. Acredite se quiser, Ataulpho Alves. A mesa repleta de pão e cicuta. Sentados estão 13 bem vestidos homens. Ao som da CAMPAÍNHA, todos repartem o pão e buscam até a última gota de cicuta do cálice.
"Eta campaínha indecente!"
"Ó o palavrão aí, cambada"
"Cambada é o escambau, cai dentro, cai dentro"
O que se via era menino correndo de um lado para o outro e a bola jogada ao pé da trave. Os mendigos saboreando a desgraça alheia. Ajudava a esquecer a própria desgraça.
"Platão!" O pai sorria e o resto ria. Pode rir também, Platão não para o seu bico, rapaz. Nem Platão, nem Shakespeare, nem Tolstói, Gógol, nem cacete algum. Nasceu para ser gauche, ser trem à toa, carniceiro. Vai tentar vender a alma, vai! Sei que colocou nos classificados do JB. Somente a resposta de uma velhinha que perdera o marido há nove anos e estava em busca de alguém que pudesse ler versículos bíblicos durante a noite. Mas isso é assaz abrangente para uma pessoa passiva e estática como esse que pode-se ver ao pé de uma janela já arrebentada pelos cupins. Pobre sacripanta, biltre, forma animalesca de se comer, ratazana.
A campaínha já sem sua capacidade maior de gritar, sussurra. Passos lentos, ranger da porta, olhar mórbido para o corredor. Não havia ninguém nesse tempo todo.

Monday, February 26, 2007

Tangente ou secante

Chorei tomates e quando percebi já não era mais virgem, era um abacate em forma de hortelã, com aquele cheirinho de terra molhada, com barbatimão do Gerôncio ou de Napoleão, só pra falar que a rima é solução de dor de dente

Friday, February 23, 2007

Futebol: Na sapucaí

Não assisto aos desfiles das Escolas de Samba, sempre me dão sono, são plumas demais, paetês demais. Fico pescando no sofá e de vez em quando acordo com uma entonação maior do puxador do samba e me vejo de cara com uma passista quase nua: seria bom sempre acordar assim. Apesar de não ver a Marquês de Sapucaí ao som do "genial" samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense sobre bacalhau, Chacrinha, Noruega, azeitona, cama, mesa e por aí vai, sempre fico ligado em: "vamos às notas, Acadêmicos do Salgueiro: 9,7".
O mais divertido das apurações é o fanatismo de componentes das escolas. O negócio parece um Maracanã ou Mineirão lotados em dia de clássico. O palavreado lembra muito ao do técnico Boraldo do Bom Sucesso na década de 1970, sempre dotado de finèsse e adjetivos pomposos. As notas são comemoradas como gols, a locução impecável, espetáculo visto somente em países onde o sol derrete tudo e a todos, onde pessoas se misturam, se mimetizam, se encostam, se encoxam, se reproduzem, dá-lhe carnaval, dá-lhe filharada.
Se no futebol os cartolas são sempre refinados, o mesmo acontece com os donos das Escolas no sambódromo. O presidente da Beija-Flor lembra muito o velho Lord de Edimburgo, o da Portela aquele francês de Toulose e o da Mangueira, bem, melhor deixar a mangueira para mais tarde, afinal sempre existe um grande fanatismo por ela.
Durante o período de esbórnia e serpentinas o futebol fica como segundo destaque. Jogadores caem no samba e futuramente também cairão de rendimento. Nada contra, cada um faz o que quer, desde que não envolva meu dinheiro. Os penaltis batidos no sábado de carnaval não repercutem nem 10% do que o bumbum da Juliana Paes na avenida. Brasil, o país do futebol, do samba e do bacalhau, pelo menos pelo enredo da Imperatriz.

Friday, February 16, 2007

Futebol: Altitudes e Atitudes

Após empate contra o Real Potosí na Bolívia, o Flamengo disse não mais querer jogar na altitude, alegando que é desumano correr durante 90 minutos em 4 mil metros de altitude. Em contra resposta, os bolivianos, ironicamente finos, alegam não mais jogar no Rio de Janeiro, pois calor e mosquitos são fatores que muito lhe atrapalham. O próprio Atlético nadou em Ilhéus e queria paralisar a partida por causa da piscina do estádio do Colo-Colo (não o time chileno e muito menos o herói indígena).
O Brasil sempre sofreu com as alturas da Bolívia (agora também sofre com Evo) e sempre está lá, a cada eliminatória, pondo sangue pelo nariz e se escafedendo no segundo tempo. Gramados enlameados são comuns no Brasil. É o futebol em todo canto do país, do mundo, quiçá do universo (ando sem notícias do Campeonato de Vênus, a última que soube foi a excusão do time da Lagartense por lá, três jogos, duas vitórias e um empate, o futebol venusiano tem muito o que evoluir ainda, lá ainda existem bobos no esporte bretão).
Após reclamações, pitis, derrotas, esforços, desculpas e poucas atitudes, muito me preocupa o Campeonato de verão na Antártida (o de inverno foi cancelado por protestos de pinguins que não conseguiam sair de lá durante essa estação): o torneio de lá tem tido vários problemas também. O time dos Bocks desistiu de ir jogar mais ao sul contra o Antares por causa do frio. Houve bate-boca dos dirigentes e o W.O. acabou rebaixando o Ice Team para a segunda divisão. Tudo será resolvido no tapetão, algo que muito lembra países periféricos de origem latina onde existem Eurico, o Gordo e Kléber Milk.
A Antártida está dividida, cientistas da Universidade de Massachusetts tentam amenizar o clima (dos torcedores) e trazer o eufórico e tradicional futebol da Zona Polar de volta. O próprio climatologista Harry Heatson disse que a disputa estava quente e que a paralisação de tudo por causa de picuínhas não pode ser aceita pela FIFA (a tradução do original em inglês dessa frase foi feita por um tradutor contratado, menos a palavra picuínha, realmente usada pelo estudioso do clima). Ele ainda disse: "Eu sou Flamengo, I love Brazil".
Para alegria de Heatson e de todos os torcedores da Antártida, espera-se com efusividade a participação especial do Flamengo no Torneio da Zona Polar do ano que vem.

Wednesday, February 14, 2007

Se...

Se tudo fosse mais fácil,
se viver fosse simplesmente viver,
se palavras fossem apenas palavras,
se eu fosse menos Hamlet, se no meu labirinto tivessem apenas Minotauros,
se os dias passassem mais rápido (ou devagar, dependendo do ângulo),
se andar pudesse ser sinônimo de alcançar,
se os anseios não se tornassem pecados, se o amargo na boca fosse um pouquinho só doce, se a paisagem fosse mais clara,
se a comunicabilidade das coisas se estabelecesse com apenas um clique,
se pés, seios, mãos, olhos, boca se constituissem em um mesmo estado,
se ouvisse apenas Eleanor Rigby,
se a voz gritasse ade eterno,
se os complicadores morressem aqui, se o vento sempre soprasse, se Clarice, Borges, Rimbaud, Quintana, Drummond,
se a poesia fosse menos torta, o caminho menos tortuoso
Se tudo fosse mais fácil...

Friday, February 09, 2007

Vai começar o futebol, pois é...

Depois dos contos psicodélicos do cotidiano da pop art, dos meus envolvimentos cinematográficos percebidos através de Filmes Polvo, tentarei escrever todas as sextas-feiras sobre futebol. Futebol em um sentido diferente, mais solto, com malícia dos craques e com o sentido livre daquele lateral que abandona a posição e corre para área para uma cabeçada. A partir dessa sexta, começa o alucinante futebolístico.

Friday, February 02, 2007

Saga da não inspiração ou historietas que não existem

Estóico, metamórfico, metafísico, gênese do nada, parênteses eternos para brindar o caos, totalizado em sua vã tentativa de ser o que não conseguiu ser, ou seja, o texto. Ainda não voltou, a agonia é absurda, a vontade que não se concretiza, as palavras voando sem que se possam capturar (gostaria que Drummond me ensinasse a captura, saudades do velho Drummond que há um certo tempo não aparece em frente aos olhos). Olhar o branco da tela, da folha, do lapís já comido pelo tempo, olhar, olhar, somente olhar. Nada ousando sair de dentro da cachola, das entranhas, do intestino, do estômago ou qualquer lugar que seja. Perenes e selvagens são os sentidos de se querer e triste e melancólicos o não obter. Querer ser é pior que nunca ter existido. Mas já existe, está na tela, apresentado sem grandes pompas, negritos ou itálicos, apenas a tentativa de um pobre texto que ousou existir, mas já era natimorto. O próprio relógio, com suas horas corrosivas, faz questão de confirmar. Com serpentinas e confetes, jaz na frente de todos o impressionante NADA. Pena que nem aplaudir foi possível.

Thursday, February 01, 2007

Nada vs. Nada

Retornei pensando que poderia pensar em meu retorno. Em nada pensei além do que pensar em nada. Carentes ficaram aqueles que sempre me lêem, carentes ficarão aqueles que continuam a me ler. Prometo voltar logo, logo com alguma inspiração, sem enrolação ou textos que não levam a nada, apenas por sua musicalidade textual. Quanto besteira pode ser escrita com tão pouca quantidade de palavras?