Wednesday, November 22, 2006

Casos da política tupiniquim, volume 1

E segue o ditado: a soberania nacional só é abalada quando alguém passa a achar que um outro é soberano e esse outro passa a acreditar piamente no primeiro.

Simiesco

Simiesco. Olhando daqui, simiesco. Alterando-se um pouco ãngulo, tombando a cabeça pro lado. Com certeza. De longe, só pode ser mesmo um símio. Aqui e acolá, as coisas se alteram em um piscar de olhos, em uma fração de segundo. O que era nobre passa a ser burlesco, o que era belo passa a ser dantesco e o que era simples normalmente continua simples, mas com tendências para a finitude. Mas a imagem vislumbrada ao norte ainda continua simiesca. Depois de algumas voltas, após descer alguns degraus da escada, logo passadas algumas estátuas remotas, cheiro de mofo, cheiro mórbido, nauseabundo. A cor das paredes degradando-se em cinzas, lascas de tinta velha, ausência de tinta, pintura metamórfica, sentidos congelados face ao caráter simiesco do objeto observado. Nutrindo desleixos, tentar beber de forma boçal a água mineral, tal qual um cristal dante encontrado na porção austral do Senegal. Artifício monumental à parte, parte-se então para os monumentos. Passos guiados em curvas e corredores os quais se aproximam ainda mais daquilo que antes pareciam ser primatas que correm em sentido curvilíneo. Visita ao Museu de História Natural de um lugar qualquer. Com licença para o léxico técnico, percebe-se o embalsamado. Simiesco. Com certeza tudo aquilo só poderia ser mesmo simiesco.

Monday, November 20, 2006

Brasileiro típico

No rádio, a voz rouca de Billie Holiday ao invés de um samba. O ventilador de teto faz um barulho infernal para um calor infernal. Isso me faz lembrar o quanto pode ser ruim tomar sol ou sentir calor. Pior, traz aos miolos já quentes a lembrança de praia. Como é desagradável se sentir a milanesa com toda aquela areia grudada ao corpo, com direito a ser temperado com sal e quem sabe até com algum aroma de peixe. Como se não bastasse, a água que entra em contato com os olhos o agridem de tal forma que não dá pra enxergar pelo menos durante o resto das férias. Acho que piorar, só mesmo um prato de feijão (esse bom) com o grão menos apetitoso do mundo: o arroz. Penso desesperadamente até chegar a seguinte conclusão: claro que há coisa pior que tudo isso, como pude me esquecer do carnaval e de toda a sua tosquidão.

Mas, como um bom brasileiro, apesar de não ser muito chegado a dar um jeitinho pelas coisas, adoro uma pelada (futebol também) e sempre que posso, acordo depois das 11 horas.

Saturday, November 18, 2006

Espumando...

Do alto do meu 1,61, observo a criatura que se aproxima ferozmente para o ataque sanguinário. Tudo visto pelo basculante do banheiro em lentes bifocais. Minha única preocupação é a de fazer a barba com uma grande simetria. Os bigodes, deixo-os fartos, pois são capazes de ludibriar a morte. A fera está cada vez mais próxima e ainda há muita espuma na cara.

Relógio de plástico

Sempre usei o mesmo relógio de pulso, desde a infância. Pequeno, leve, de plástico, preto e desses que pode ser encontrado em qualquer camelô. Agora ganhei um novo. Vidro, ponteiros e também digital, pulseira de couro, mais caro. Ultimamente tenho tentado usar os dois de uma forma igual. Às vezes é difícil abandonar certas coisas para se iniciar outras. É complicado olhar para trás e ver que muita coisa podia ser diferente e, ao mesmo tempo, vislumbrar o futuro pode trazer um friozinho na barriga e um medo de voltar a errar. Eles dizem que todo ariano gosta de se escancarar, não pede licença, invade, se mostra. Talvez tenha herdado traços cancerianos do meu pai. Muitas vezes se esconder é, paradoxalmente, a atitude menos covarde de encarar o mundo de frente. Nunca gostei muito de acordar cedo, mas sempre observei o comportamento das pessoas no período da manhã. Confesso que às vezes me soa irritante um bom-humor matinal. Parece-me um tanto quanto fingimento aquele riso forçado do início do dia, como se fosse necessário rir para se começar bem. As pessoas que mais conversam pela manhã dentro de um ônibus geralmente são as que se encontram em maior desespero. Falam numa tentativa fugaz de esquecer. Falam porque tiveram de se calar durante toda a intermitente noite. Somente as crianças são realmente autênticas. Essas não têm o porquê de fingir. Riem quando querem, choram quando querem e fazem quase tudo que lhes vem a cabeça. Na época do meu velho relógio de plástico também era assim. A vida é mais fácil na infância e o tempo tende a corroer nossos melhores anos. Talvez tudo isso seja uma amargura passageira. Mas acho que não. Penso que isso deva ser muito mais uma nostalgia que a maioria das pessoas tem de vez em quando. As preocupações com o futuro nos deixam mais saudosos. Talvez eu deva me preocupar um pouco menos com o futuro e precise usar um pouco mais aquele meu bom e velho relógio de plástico.

Tuesday, November 14, 2006

Mercador de sonhos

Ao final da rua torta e expressionista ficava uma casa. Bem acima, local onde o vento sempre soprava e as coisas eram efêmeras como a vida. Para chegar até o local era preciso percorrer uma colossal combinação de pedregulhos, aves de rapina e ipês. A temperatura era maluca, podendo acontecer neve e degelo em alguns minutos. O derretimento é capaz de inundar todo o espaço, criando cardumes de arraias, peixes e ervas. As aves rapinas se alimentavam dos peixes e na falta do gelo derretido, praticavam o canibalismo. A plaquinha em cima da porta da casa antecipava a presença de um mercado de sonhos. A caminhada era sombria e difícil.
Tentanto o percurso, seguia Schimmer, cujo pai morrera na guerra e a mãe ficara em Berlim até morrer. Perdera completamente a capacidade de sonhar. O único pesadelo que ele tinha era o de uma perseguição por parte de rinocerontes que o levavam para uma ninhada de escorpiões famintos. Era picado a todo instante e sempre acordava ensopade de suor. O travesseiro sempre ficava dilacerado e ele nunca conseguira entender o real motivo para tudo aquilo. Apenas gostaria de dormir e sonhar.
Aqueles momentos íngrimes pareciam dias de luta contra a chuva, o sol e as aves de rapina, até que a escalada o levasse para frente da portinhola daquela casa aparentemente mórbida. Schimmer tocou a campainha e não obteve respostas. Novamente o silêncio foi mais aguçado, foi mais agudo. Forçou vagarosamente a porta e essa se desfez abruptamente. Sobressaltou-se e adentrou. Era uma junção de formas obsoletas, sombrias e deletérias. Tudo se consumia, os cupins pareciam ser os únicos moradores daquele espaço teatral. A cada passo do jovem cavaleiro errante, as cadeiras de ouro maciço se fundiam e a sala se tornava um grande rio repleto de salmões e andorinhas. Voavam enquanto Schimmer corria.
O teto descaído, aranhas germinando do solo, a nova saleta era praticamente um habitat de brincadeiras horrendas. O chão era um verdadeiro mosaico chinês, onde tudo poderia significar tudo e ao mesmo tempo nada. A alguns metros, um tabuleiro de xadrez no qual as peças jogavam e o bispo era lançado ao magma quente da caldeira latejante da lareira do canto direito.
A medida que o tempo passava, a atmosfera ficava ainda mais densa e a procura pelo velho mercador tornava-se algo inatingível. Um portal imenso refletia a entrada do último cômodo. Entrou apressadamente a procura dos sonhos que perdera ao longo de toda a vida. Ansiava por respostas, por plenitude e repouso. Mas só encontrou rosas que brotavam da parede. Eram vermelhas como o sangue que as vezes escorria pelo telhado. A quantidade de rosas aumentava e Schimmer se encontrava ilhado. Um mar vermelho, um rio de rosas. Passou a questionar tudo, as coisas, a vida, os sonhos, a existência da casa, do mercador, dele mesmo. A roda se movia enquanto o chão se desfazia. Não podendo mais resistir, Schimmer fechou os olhos. Desde então passou a sonhar com um riacho repleto de peixes e com o céu com aves, mas essas não eram de rapina.

Saturday, November 04, 2006

Tentativa

As tentativas de dormir são as mesmas tentativas boçais de pensar que tudo se resolve facilmente. Achamos que tudo é tão fácil, quando na verdade viver quase sempre é um exercício difícil. As nossas dificuldades fazem parte de um arcabouço de tentativas frustradas, no qual se encontra a minha tentativa de dormir. Mas continuarei tentanto, pois como todo mundo, também sou tolo e insistente. Chegará uma hora que compreenderei que nem todas as vezes sou capaz de conseguir aquilo que quero. Pena que essa compreensão sempre vem na hora na qual sou vencido pelo cansaço e durmo, para acordar no outro dia e tentar tudo de novo.

Friday, November 03, 2006

Sonhos da madrugada

Durmo na tentativa egoísta de esquecer do mundo. Mas há noites em que alguma coisa é mais forte e os olhos insistem em ficar abertos, talvez querendo enxergar aquilo que eu quero esquecer. Mas esquecer é algo tão difícil, as lembranças pululam a todo instante. Sei lá, penso que às vezes seria bom dormir durante vários anos e acordar para ver como as coisas estão. O sonho seria utópico. Deve ser por isso que os olhos não se fecham. Talvez tenha brigado com Morfeus em algum desses sonhos de dias. Ou talvez eu seja patético mesmo. Talvez olhar a parede seja a coisa mais importante que eu possa fazer naquelas horas da noite. Ou que sabe isso tudo seja um devaneio do qual ainda não acordei. Agora não sei mais se quero acordar ou não. Nem sei se durmo. Só veja a parede quente por causa desse calor infernal. Não sei se vou me lembrar disso tudo amanhã. Se bem que esquecer é sempre difícil.

Thursday, November 02, 2006

2 de novembro

Sempre fora prático na vida, não seria na morte que abandonaria tal costume. Entretanto, perculiarmente, acordou cedo naquela manhã do dia 2 de novembro. Bebeu água, sentou-se na cadeira da cozinha com falta de ar. Essa dorzinha sempre voltando, pensava enquanto massageava o peito. Olhava para o relógio, hora de tomar o remédio. Foi até a mesinha da sala e pegou a caixa de remédios ao lado da foto de Anita. Ela sempre fora a filha preferida. Engoliu duas cápsula e voltou a cadeira.

Não obstante às dificuldades de toda a vida, a morte sempre insistia em bater a porta. Nessa batalha de vida e morte, o que se podia pensar eram nas perdas e nos ganhos. Perdi mais do que ganhei, o pensamento era por si só pessimista, mas a constatação era racional e real. a praticidade era absurda. Para que tomar banho em dias em que você não sai de casa? A pergunta aparentemente anti-higiênica era apenas um dos axiomas de sua vida. O gosto por doces e açúcar era notório e o hábito de comê-los todos os dias era permanente. Para tudo se tem remédio, até que o maior deles chegue. A vida é prática, a vida é assim, o comprimido da farmácia é a falácia da esquina, metáfora de que a vida sempre vai dar certo, de que ela segue o caminho, que uma hora as coisas se ajeitam. Sem querer ser muito niilista, bebeu água junto com os drops apenas porque aquilo ajudava no deslizamento goela abaixo, tão prático como toda a vida.

A respiração era aguda e a postura na cadeira obtusa. A efizema agitava cada parte de seus pulmões deteriorados pelo cigarro. Fumo sim e daí, o Japão é o país onde mais as pessoas fumam, sendo que lá a espectativa de vida é altíssima. Não há teorema que prove os riscos de cigarro para a saúde; embora o fato seja verdadeiro, a praticidade de se fumar e tomar café logo depois pode custar caro. Após engolir as cápsulas, beber água e se sentar, pensou em fumar. Os cigarros estavam longe, não tinha fôlego para chegar novamente até a mesinha da sala. Mas o gosto de anos de nicotina na boca fazia a vontade aumentar. Talvez seja essa a praticidade que as indústrias de cigarro enxergam: o seu pulmão é nosso lucro.

Apesar da dor tamanha que consumia o peito, tentava se ajeitar a todo instante, mas não havia posição que o saciasse naquela efêmera hora do dia. As manhãs são inúteis, portanto, o melhor é usá-las para dormir, e logo, ele sempre dormira pelas manhãs. Era extremamente prático acordar um pouco antes do meio-dia e almoçar. Há um ditado que diz que a primeira refeição do dia é a mais importante, todos nós sabemos que é no almoço que mais comemos. Portanto, a coisa mais lógica a se fazer é acordar e posteriormente almoçar. Era isso que fazia, menos naquele maldito dia 2 de novembro, que o fizera acordar cedo para tomar as cápsulas, beber água, se sentar, ter vontade de fumar, ficar sem lugar e agora esperar as trombetas dos anjos do além. O relógio tocava veementemente como se quisesse fazer o papel das trombetas. O jeito era aceitar aquilo tudo.

Os ponteiros apresentavam o terrivel horário de 7:23. Lembrou-se de uma poesia de Baudelaire, de como nós nos alimentamos de nossos remorsos, assim como os mendigos nutrem seus vermes. Fechou os olhos antes de ver o ponteiro caminhar para 7:25. Naquele intervalo fugaz, a morte foi mais rápida que a vida. Como gostava de movimento, encontrou o cemitério cheio naquele dia, nada mais prático que isso.