Thursday, December 28, 2006

Cotidiano Nefasto

Ele sorvia com todo gosto as últimas gotas do líquido negro e quente. A poltrona carcomida pelos insetos que sempre insistiam em invadir o apartamento inerte. O velho gramophone (isso mesmo, com ph, mostrando o quão velho era essa relíquia herdada do avô nos tempos em que se revezavam leite e café na mesa principal do país) deixava o ambiente repleto de tons musicais da Traviatta de Verdi. Letras perenes pela casa sem saber se insinuavam entre Victor Hugo e Flaubert. Brincadeira tola daqueles francesinhos metidos a intelectuais que ficam disputando a sardinha tenra para o seu escritor preferido. São esses mesmos que ficam naquela de discutir Robespiere e Napoleon Bonaparte. Como se o imperialismo tivesse surgido somente no século XVIII (uso dos números romanos em homenagem aos conquistadores, estou falando dos conquistadores históricos ao invés dos Mastroianis que compareciam na sétima arte).
Diria Machado de Assis que o caro leitor se pergunta onde estará o fio da meada. Em nome do grande escritor e de tantos outros questionadores, eu diria que o fio faz a conexão entre telephones (olha o ph novamente) e a tomada. Devaneios bestas à parte, o ilustríssimo personagem se encontra no momento de frente para a latrina. Isso mesmo, ato simples do cotidiano nefasto dos nobres bon vivants como dizem os franceses e adotam os brasileiros em seu já enorme vocabulário daquela que foi a última língua derivada do latim. Ora pro nobis, amén. Orações e credos para outra ocasião, pois sobre o tema se escreve um livro ou pseudo-livros como fazem Coelhos e Browns, ou marrons. O fato é que o caso da latrina já foi resolvido e a função orgânica concluída. Os detalhes, é claro, serão poupados àqueles que tiveram a paciência do bíblico Jó para chegar até essa parte do texto. Preso aos ínfimos desejos, desejoso de recomeçar tudo, começo esguio e perigoso, infelizmente não há nada o quê fazer. O melhor é servir mais uma xícara de café, sentar no sofá grená e esperar que os sons sonoros da próxima ópera de Verdi ou Puccini adentre os ouvidos até fazer vibrar a bigorna, passando pelo estribo e martelo. Palavras continuam a sobrevoar a espera de que caiam em um livro de Lispector ou Tolstoi. Se houver muita sorte Morpheus fará sua visita e proporcionará ao nosso aspirante anti-herói do nada (Dom Quixote ao menos possuía moinhos como parque de diversão e Sancho Pança como a diversão própria) o fechamento dos olhos e a emoção do sonho. Metáfora de um cotidiano nefasto. O Deus grego do sono ainda bem apareceu. A letargia foi possível. Ora pro nobis, my friend.

Wednesday, December 27, 2006

Fim de ano

A chegada das férias e as comemorações de fim de ano têm feito com que os textos saiam meio por osmose e se estatelem na tela de vossos computadores. Prometo menos explosões de palavras inúteis, isso é coisa somente de virada de ano.

Tuesday, December 26, 2006

Chuva

E agora começou a chover, bastante para dizer a verdade, talvez porque a chuva seja mais uma daqueles paradoxos dos paradoxos ou talvez para servir apenas de alerta sobre a insônia que voltara com tudo. Olhando para frente da tela, me questiono se ficarei a noite inteira aqui escrevendo, em profusão de palavras, um texto novo, um conto, um romance ou uma literatura inteira que caiba em uma só noite. Acho melhor me conter por aqui mesmo, enquanto há tempo e sanidade. Fechar os olhos, mesmo que isso tudo seja ilusório.

Riso

E eu sempre tenho essa velha mania de rir das próprias tragédias, rir de mim mesmo, rir até rolar, rir alto, rir por rir, rir até doer o estômago ou até doer a alma, rir de forma sarcástica, mesmo sabendo que essa é arma dos fracos e que todos somos fracos e sarcásticos, uns menos e outros mais.

Natal e ano novo

Sempre me considerei o paradoxo dos paradoxos. Uma caixa de incoerências ambulante. E no fim do ano a coisa se acirra ainda mais, sempre adorei o Natal, ao contrário de muitas pessoas e, sempre detestei ano novo, ao contrário de muitas pessoas também. Desde toda a família reunida em volta da mesa, minha mãe assando o pernil, enquanto meu pai abre as bebidas, minha irmã recitando versos intermináveis, meu tio contando histórias que beiram o realismo fantástico, minha avó contando coisas quase sempre felizes, minha outra avó mais observando e eu, bem eu já toquei piano, já toquei violão, já fiz teatro e na maioria das vezes, faço o que mais gosto e realizo na vida, eu ouço. Ouço tudo que falam, tudo que contam, as palavras vão se misturando aos pensamentos, como em uma batedeira de bolo, e disso tudo costumam sair alguns textos. Mas, voltando ao Natal, ao redor da árvore, não tanto pelo presente em si, mas pelo segredo, pela emoção de receber, uma sensação indescritível, por mais egoísta que ela possa soar. Desde os tempos em que Papai Noel povoava meus recônditos sonhos até os dias menos românticos e mais nostálgicos.
Mas, toda a magia natalina se faz desfaz no ano novo, pois o paradoxo está de volta e não só de mágica vive o mundo, ele torna-se mais azul escuro e menos colorido, como em um filme de Tim Burton, mas aqui as trevas não têm tanto encanto. Essa coisa de que vai-se um ano e chega-se outro torna-se um clichê que se esvazia e se esvai pela noite de reveillon. A cada cumprimento, o sorriso é falso e se desfaz rapidamente, as pessoas tentam se enganar dentro de vestidos de um tecido qualquer e em seus ternos brancos. Tenho me vestido de preto nos últimos anos não para parecer diferente, mas para tentar ver se as coisas se diferenciam um pouco e para que as lorotas escutadas não se percam entre espelhos e o ralo da pia. A amargura pode parecer chata, arrogante e mais uma vez o egoísmo fica mais evidente que o todo. Como pode o Natal ser tudo e o ano novo nada? Sem nenhum maniqueísmo ou desculpa qualquer, não sei a resposta. Coisa de infância, coisa da vida, texto clichê, cheio de sentimentalismo que se ostenta barato ou se mantém a duras penas, pois não sei se a frase é feita ou se é simplesmente a bengala que sustenta o patético e boçal ou aquilo que as palavras tentaram erguer e soerguer.
Melhor voltar ao Natal, com suas lembranças boas, pois esse está mais próximo e o sorriso sai mais fácil e não se desfaz na velocidade da luz, talvez na do som, pois sempre há o paradoxo dos paradoxos.

Sunday, December 24, 2006

Feliz Natal

Desejo aos leitores do blog um Feliz Natal. Que possamos manter nossa ligação por meio das palavras. Felicidade a todos!

Sunday, December 17, 2006

Passa...

Jogado no sofá tal qual um bicho, a cabeça encostada na parede, os pés vestidos por meias furadas estão no chão, ainda frio. Tudo o que mais desejava era que o tempo passasse, passassem horas, dias, anos. Mas não passa. Poderia aproveitar esse tempo para fazer o que precisava, as obrigações que sempre ficavam para última hora. Mas o máximo que conseguia era movimentar uma perna ou outra e respirar. Encostado, jogado às traças, tentando tentar, achando que o tempo passa de acordo com seu desejo. Mas não. O tempo é relativo. Quando seu time precisa marcar o gol, o tempo voa, quando a situação é contrária, o tempo parece se esticar. O tempo deve ser feito de borracha, alguma coisa que se possa moldar. Aquele tempo, começo da juventude, de ficar esperando ela chegar. Os olhos não saíam dos ponteiros, que pareciam querer contrariar tudo aquilo. Sempre o charme do atraso. Expectativa, coração em pulos. A dúvida, emoção juvenil. Tudo para que o beijo dure alguns minutos e o tempo, sempre ele, passe feito uma águia no céu. Como queria esse tempo efêmero agora, mas só conseguia olhar para o teto e pensar, em nada, em tudo, no tempo...

Wednesday, December 13, 2006

Pinochet

O inferno em brasa, a chegada desses por lá, às vezes chego a pensar que o Diabo é um "santo", pobre coitado.

Televisão letárgica

Em um sol escaldante, caminhei sozinho pelo Alabama durante uma semana. As bolhas consumiam meus pés. Escutava Neil Young em um velho aparelho portátil de rádio e toca fitas que os norte-americanos denominam "walk-man". Sedento e faminto, consegui apenas um pacotinho de batatas Pringles em Montgomery. Entretanto o sal contido no maldito alimento ressecou e feriu meus lábios e causou-me uma sede aliviada apenas com águas oriundas do processo de purificação do Rio Tâmisa. Cansado e arrebentado, deitei-me em uma estrada quase no fim do estado ianque. Maltrapilho e ainda jogado a posição de enfermo, avistei de longe uma poltrona em frente a uma televisão Philco daquelas dos anos 80. Seria tudo isso reações de potássio e cálcio que estavam impulsionando descontroladamente meu cérebro naquilo que os cientistas e acadêmicos de Princeton e por quê não da Unicamp chamam de miragem? Ou seria Deus ou Alá, ou até mesmo Buda querendo dizer: Viu o que eu posso fazer? Realmente não sabia a resposta. Então, resolvi levantar-me antes que o solo aquecido me provocasse queimaduras de segundo e terceiro graus. Corri afobadamente na veemência de descobrir toda a questão. Tudo urgia naquela efêmera hora de uma tarde de agosto. Esse mês sempre me trouxera arrepios, pois cabalisticamente ele refletia todos os meus temores em relação a dogmas estabelecidos por sociedades secretas datadas da Idade Média ou das Trevas (assim preferem os magos existentes na Romênia). Mas voltemos à estória, pois com mais alguns futuros devaneios e eu chego em Kafka ou Borges. Postado de frente à poltrona, notei cápsulas de insulina jogadas na mesma, algumas seringas, bem como penicilina e uma gaiola contendo um casal de pintassilgos. Naquele flash de tempo, o que me causou estranhamento foi o fato de pintassilgos não existirem na América do Norte e muito menos na península escandinávia. Em um giro de 180 graus no sentido anti-horário (parecia John Travolta em seus velhos tempos), fiquei de frente ao aparelho televisivo. As imagens me chocavam uma por uma. A exibição no master consistia na metade exata do filme "De volta para o futuro II". Sentia-me extasiado e anestesiado. Nem lembrava-me mais da sede que já fazia com que a mesoderme da laringe ficasse em estado lastimável. Foi como se litros e litros de grapete descessem pela garganta e chegassem a Alça de Henle, localizada nos nefrídeos que por sua vez constituem o rim. O colorido da tela findou-se. De repente, percebi que o Alabama já não mais fazia parte dos Estados Unidos da América e quiçá de todo continente outrora descoberto e em seguida agasalhado por Colombo e sua trupe (pena que na época o frozen não existia, seria a febre entre os marujos e o sabor limão ainda resolveria o problema do escorbuto). Agora era o tudo e o nada, a temperatura mudava de segundo em segundo; foi quando olhei para baixo e percebi que não possuía mais meu pé esquerdo. Até hoje procuro por ele em todos os cantos do planeta, inclusive na Albânia.

Sunday, December 10, 2006

Deletérios

Nervos inquietantes, a bebida gelada que não mais refresca, a ansiedade que é moribunda, a astúcia que já se encontra nula, enquanto os ratos corroem tudo e todos, como nas ladaínhas de outrora. A máquina se perpetua, símbolo de um capitalismo vencedor que já se esqueceu de como a vitória é simples e a derrota também. Se a queda é brusca, os dentes se quebram, se a queda é mórbida, o gosto de fel exala por toda a boca até chegar ao fígado para se juntar a bilis, de mesma origem e paladar. Se o céu fica em cima, a escada ainda não foi obtida e se o inferno fica embaixo, talvez o engano tenha sido de Dante. Na tentativa de vida, a derrota, inflamada nos mesmo nervos que se acotovelam na esperança de parecer mais dignos e menos patéticos. Ao beber água do bebedouro, o medo é de se afogar, como se tudo já não fosse repleto de água até o talo. A morbidez da carne é a finitude do espírito, como se Comte fosse certo e o resto do mundo errado. O desespero do fim é o alimento do querer fazer. Se um dia acaba, que não se acabe com a tentativa em vão. Esperança chula de um tempo besta. Lúgubre lugar onde se tenta escutar o som seco de um mi menor. Sinestesia barata a procura de sentidos nobres. O medo de perder e de fracassar consome cada célula. Como se a derrota já não fosse o suficiente ou como se o desastre de cada um fosse maior que as mazelas da humanidade. A pequenez diante da situação contrái os músculos e deixa a respiração sincopada. O travesseiro que seria o último dos refúgios acaba se tornando o maior dos pesadelos.